Ponha-se no meu Lugar

  

Quando chegou do trabalho já passava das quinze horas e estava com uma expressão forte, não consegui entender se estava com algum  problema, mas evitei perguntar, para não mexer em alguma ferida.

De repente me chamou, e pediu para que eu entrasse em seu quarto e fechasse a porta. Percebi que algo sério seria tratado naquele momento.

Olhando para seus pertences pessoais e a televisão, sentou na beirada de sua cama, e ainda vestido elegantemente, como de costume, deixa uma angústia no ar, e diz:

- Não tenho vida para muito tempo, pode escrever isso!

- Quê?

- Vamos falar em vida, não vamos pensar em morte!

- Estou falando e você pode mesmo escrever com a data de hoje, mas eu não consegui entender o que estava acontecendo, ou melhor, não queria acreditar que fosse verdade, pois seria uma grande perda em minha vida.

- Não acredito, quem sabe está meio senil e vou tentar fingir que acredito, mas ele insistia, então resolvi falar de pessoas jovens que morrem com câncer num hospital, para amenizar aquele sentimento que ele vivia em seu interior, que para meu entendimento era uma fantasia!

- Não estou com medo, não pense que tenho medo!

- Não é isso, apenas precisamos pensar no HOJE!

- Ponha-se no meu lugar, ele exclamou!

Carreguei essa dúvida por alguns meses, não entendia o que ele queria me falar naquela tarde, não podia acreditar, não era verdade!

Depois de dois meses mais ou menos, ele começou a definhar, falar frases meio desconexas, ter visões, não teve mais forças para trabalhar e o carro ficou na garagem do prédio!

Cada dia que passava temia o que viria no dia seguinte, até que foi necessário interna-lo num hospital e ficar ao seu lado, presenciando seu sofrimento, seu olhar de desesperança, mas eu dizia:

- Você promete que vai lutar até o final? ( já na UTI)

- Falava com os olhos e com a cabeça que não iria desistir da vida, pois sempre a amou fortemente, a sonda não o deixava falar, só gesticular!

Era muito difícil assistir a essa cena tão triste!

Voltou para a suíte, e fiquei feliz, mas a equipe médica foi real e nos orientou com a relação à doença que o acometia (fibrose cística pulmonar). As bactérias eram resistentes e os antibióticos não conseguiram detoná-las, mas precisava sair da UTI, pois não havia mais nada a ser feito. Permaneceu assim por dezoito dias consecutivos, até que abriu os olhos, já era mais de onze horas da noite, e como um anjo, saiu de perto de todos nós para sempre!

Hoje me pergunto:

- Por que não perguntei como soube naquela tarde, que não teria mais muito tempo de vida?

- Por que não tive a coragem de dialogar sobre isso?

- “ Ponha-se no meu lugar”!

- Eu não acreditei...