Quando a vi pela primeira vez, ela
estava sentada na varanda de tia Judite. Tinha os olhos e os pensamentos
distantes. Quando tia Judite me chamou para apresentá-la, ela voltou da
distância e cumprimentou-me com um sorriso. Seu cabelo louro emoldurava o rosto
levemente redondo que ainda guardava um pouco da beleza de outrora. Tinha agora
47 anos, fiquei sabendo depois. Não parecia envelhecida, mas sim sofrida. Ou
cansada. Cansada não de labor, mas sim da caminhada diária. Tinha as mãos
pousadas sobre o colo coberto com um vestido simples, porém bonito. Não sei por
que, mas achei-a parecida com uma camponesa alemã. Logo senti simpatia por ela
e, pelo seu singelo sorriso, percebi que ela também tivera o mesmo sentimento
por mim.
Sentei-me de frente para ela na
velha cadeira de madeira maciça, enquanto tia Judite nos servia seu café que
acabara de passar. O café fragrante reacendeu-nos o ânimo. Técia sorriu.
Tia Judite virou-se para mim e
disse:
- Técia está muito bem, Cecília. Está
trabalhando numa confeitaria. Faz bolos lindos!
- Que bom! – Respondo alegre, embora
não soubesse nada sobre a vida de Técia. Mas com certeza sua vida fora um
caminho de agruras. Isso eu podia sentir.
- Esqueci-me dos bolinhos! –
Exclamou tia Judite, enquanto levantava-se da cadeira num salto, dirigindo-se
em seguida à cozinha. Voltou com uma travessa de bolinhos de chuva envolvidos
com açúcar e canela.
- Que cabeça a minha! Já ia me
esquecendo dos bolinhos! Estou querendo fazer qualquer dia desses uns bolinhos
de sal. Comi na casa de dona Odete. Ela escalda a massa antes, fica uma
delícia!
Concordamos com sorrisos.
Técia comeu um bolinho, tomou um
gole de café e começou a contar sua história
II
“Sempre fui uma tolinha. Acreditava
piamente que um dia conheceria um homem que me traria toda a felicidade do
mundo após nos casarmos. Me empenhei em ser uma futura boa esposa, aprendendo
segredos do lar. Já era prendada, mas queria ser excelente. E acho que
consegui. Pelo menos superei as demais moças de minha idade em diversas
qualidades. Meu enxoval era perfeito, tudo de muito bom gosto, escolhido a
dedo. Eu era a moça perfeita pra casar. Agora só faltava a “outra metade da
laranja.” E não demorou muito: Um dia, após fazer umas compras em São Fidélis, eu
vi Romualdo. Ele estava numa loja de produtos agropecuários. Ele me olhou tão
violentamente que me golpeou. Ali eu já sabia que ele seria o homem forte e
trabalhador do qual eu seria a fiel auxiliadora, dona de casa dedicada e
amante. Após uma abordagem dele, conversamos e, em alguns meses, noivamos.
Depois, o casamento. Pronto! Eu havia encontrado a minha outra metade! Já não
era uma metade solitária de laranja, mas sim uma laranja completa. Estava
começando a trilhar a estrada da felicidade! Que mais queria eu?! Tinha então
alcançado o clímax da vida, o estado tão almejado, tão sonhado! E começamos
então a viver nossa vida de casados e, com o passar dos anos, comecei a
entender certas coisas. Uma dessas coisas que eu passei a entender foi que
Romualdo não era a minha outra metade. Mas não é só isso. Eu entendi mais.
Romualdo era uma laranja inteira, não fazia concessões, era ele mesmo. Eu
também era uma laranja inteira mas, após tantas concessões, tantos sonhos,
tantos projetos, tantas anulações de mim mesma, tanta dedicação a uma utópica
situação futura, eu fui cortada pela metade. Eu sou uma metade da laranja:
cortada pelas minhas expectativas frustradas, meus sonhos vagos e ilusórios.
Ninguém é metade, isso eu aprendi, isso eu entendi. Somos inteiros e, a
felicidade a dois é encontrada quando dois inteiros se encontram no mesmo
cesto. Não duas metades tentando se colar, mas dois inteiros num relacionamento
de companheirismo, sinceridade e amor. Agora eu era uma metade. Perdi a outra
metade de mim no caminho das ilusões. Romualdo se foi. Ele permanecera inteiro,
refaria logo a vida, e o fez: casou-se com outra mulher, lá de Itaocara. Eu
fiquei sozinha naquela casa cheia de cômodos vazios, cômodos que eu sonhara em
preencher com filhos e felicidade. “Felizes para sempre” não foi um epigrama
para a minha vida. Fiquei muito tempo prostrada no tempo e na vida. Perdi todas
as esperanças e objetivos. Mas estou me reerguendo agora. Estou feliz
trabalhando na confeitaria. Agora vejo que posso encontrar alegria e satisfação
ao longo da caminhada, em cada momento. Não ponho mais minha vida num projeto
futuro. Fui cortada pela metade, mas não por inteiro.”
Comeu mais um bolinho e tomou mais
um gole de café. E ficou com o olhar distante.
Anderson
Willian Ribeiro
Achei lindo!
ResponderExcluir✯ Instagram ✯♮✯ Blog Eu Sendo Assim ✯♮✯ Facebook ✯
Obrigada pela visita e comentário!
ExcluirVolte sempre,querida!
eu amei!
ResponderExcluirhttp://www.estilomulhervirtuosa.com.br/
Que bom que gostou!
ExcluirVolte sempre!