Caro
amigo (a) leitor (a),
Carlos
Imperial foi e ainda é muito subavaliado. Ele foi inovador, revolucionário e
rompeu barreiras num país que era (e acho que ainda é) careta, moralista e
conservador. Sua importância como produtor musical é muito subestimada. Difícil
imaginar se sobreviveria nos tempos de hoje - ou se prosperaria ainda mais. Com
certeza esse mestre na adaptação e sobrevivência faria ambas as coisas, não
necessariamente nessa ordem.
Filho
do meio da professora Maria José e do banqueiro e ex-prefeito de Cachoeiro
Gabriel Corte Imperial, Carlos Eduardo (assim batizado em homenagem ao
personagem de “Os Maias”, de Eça de Queiroz) chegou com a família ao Rio aos 7
anos. Entre 1950 e 1960, já rapaz, ganhou popularidade ao criar o Clube do
Rock, em Copacabana, e revelar artistas em programas de rádio e televisão.
Apresentou, por exemplo, quadros musicais no “Meio-dia”, na TV Tupi.
—
Era o YouTube da época. Se o músico estava em algum programa do Imperial, era sinônimo
de sucesso — compara o ator Luis Lobianco, que fez o papel do descobridor de
talentos no filme “Tim Maia” (2014), de Mauro Lima.
Imperial
teve dois filhos com Rose Gracie (sim, a sua primeira mulher era da família que
disseminou o jiu-jítsu no Brasil): Maria Luíza e Marco Antônio. Os herdeiros
acompanham — e aprovam — todos os projetos envolvendo o nome do pai. Numa boa.
—
Censurar qualquer coisa envolvendo Carlos Imperial é absurdo. Demos carta
branca para o livro, o documentário e, agora, o musical abordarem o lado bom e
o lado ruim. Não dava para, depois de morto, papai virar santo — diz o
fotógrafo Marco Antônio Gracie Imperial, de 57 anos. — Tivemos uma relação
difícil. Ele me perseguiu quando me pegou fumando maconha, aos 12 anos. Mesmo
sendo ele que tinha me mandado contestar o mundo. A questão era que papai era
avesso a drogas. Os vícios dele eram Coca-Cola, trabalho e mulher.
Imperial
era contra Marco Antônio casar. À revelia do pai, o fotógrafo teve 11 filhos
com sete mulheres diferentes. O apresentador também achava uma besteira danada
Maria Luíza esposar (“Dá o maior trabalho casar e mais ainda separar”,
costumava dizer). Mas a filha se casou, de papel passado, com um primo, Rorion
Gracie (o criador do UFC), com quem teve duas filhas, Rose e Riane. Elas
viraram o chamego e o xodó do vovô.
—
Ele foi melhor avô do que pai. A Rose e a Riane conviviam bem com todas as
namoradas que moravam junto com ele no apartamento de Copacabana. Quando elas
tiravam nota baixa na escola, corriam para lá. Pedia para ele botá-las de
castigo e ele as levava para tomar sorvete — lembra Maria Luíza.
No
final dos anos 1960, havia quem fosse capaz de jurar: o sucesso brasileiro
tinha chegado à Inglaterra, e os Beatles gravavam uma versão de Asa Branca. A
canção seria a mais tocada nas rádios de lá, e o próprio Gonzagão teria
comemorado a novidade, sugerindo que o quarteto usasse uma gaita escocesa para
conseguir melhores efeitos.As múltiplas facetas de Carlos Eduardo Corte
Imperial, produtor musical, compositor, jornalista, apresentador, marqueteiro,
botafoguense, portelense, mulherengo e, com muito orgulho, pilantra. Até hoje,
há quem acredite que a gravação de fato existiu. É tudo, claro, mentira. Não
passava de uma invenção do produtor, cantor, ator, cineasta e polemista que é o
centro do documentário Eu Sou Carlos Imperial, filme de Renato Terra e Ricardo
Calil em exibição no festival É Tudo Verdade.
Ele
lançou Roberto Carlos. Descobriu Elis Regina. Produziu disco para Clara Nunes.
Escolheu o nome artístico de Sebastião Rodrigues Maia (Tim). Compôs, entre
outros sucessos, “Vem quente que eu estou fervendo” e “Mamãe passou açúcar em
mim”. Chegou a morar com 20 mulheres, suas “lebres”, num apartamento de frente
para a Praia de Copacabana. Fez teatro, cinema, televisão. Foi um dos
vereadores mais votados do Rio. Criou o bordão “dez, nota dez!” na apuração dos
desfiles das escolas de samba. E só bebia Coca-Cola. Personagem de si mesmo,
Imperial era dono de uma qualidade ímpar de ver à frente do seu tempo novas tendências
e produtos culturais, aliada à desfaçatez própria dos canalhas inveterados. Por
conta disso, era uma fábrica de ídolos (Roberto e Erasmo, Simonal, Tim Maia,
Elis Regina), hits (Pode Vir Quente que Eu Estou Fervendo, O Bom, Mamãe Passou
Açúcar em Mim, Nem Vem que Não Tem) e incontáveis histórias de procedência
duvidosa.
O
caso de Roberto Carlos é emblemático. Ele mesmo conta que, no começo da
carreira, teria desistido após tantas negativas não fosse a persistência de
Imperial. “Elvis Presley brasileiro” era como o chamava. Equiparável a seu
gênio, apenas sua predisposição a comportamentos muitas vezes questionáveis.
Tomava para si direitos autorais dos outros, aproveitava-se de mocinhas
inocentes e foi o responsável pela mais infame história envolvendo Mario Gomes
e uma cenoura.
Não
parecia haver limites para um homem que não titubeava diante de quase nada.
Custasse o que custasse, Imperial estava determinado a se impor e ser aceito.
Dizia alimentar-se das vaias. De diretor de pornochanchadas, virou "católico
apostólico romano" quando entrou para a política, ocasião que o fez também
equiparar Tancredo Neves a Jesus Cristo.
Em
dada ocasião, sentou-se na privada, a mão no queixo em pose reflexiva e tirou
uma foto que seria o seu cartão de Natal. Na legenda, desejava que “Papai Noel
não faça no seu seu sapato o que estou fazendo”. Entre os destinatários,
autoridades do Regime Militar. Em plena ditadura, o resultado não seria outro
que não sua detenção sob acusação de atentado ao pudor.
Os
diretores de Uma Noite em 67 são especialistas num estilo de narração da
história da música brasileira que se mostra tão forte quanto fluida. A voz dos
protagonistas de nossa cultura é o que serve para expor histórias sem as quais
não teríamos uma cultura como hoje a conhecemos.
Dos
relatos dos que o conheceram, vai se construindo uma imagem benevolente de um
homem que certamente despertou mais desafetos que amigos por onde passou.
Quaisquer que fossem os erros ou males que pudesse ter cometido em vida, estes
são tratados quase como traquinagens de um menino travesso em uma produção que
se priva de cair em qualquer moralismo. Pornógrafo, libertino e misógino,
Carlos Imperial é envolto por uma atmosfera folclórica que dificulta sua
apreensão por rótulos simplificadores que hoje circulam mais livremente.
Difícil imaginar se sobreviveria nos tempos de hoje - ou se prosperaria ainda
mais.
As
imagens dos vários filmes feitos por Imperial (que incluem títulos como A Viúva
Virgem e Loucuras, o Bumbum de Ouro) ajudam a entender a visão do personagem de
si e do mundo ao mesmo tempo em que permitem vislumbrar as muitas contradições
que o moviam. Assim, a graça maior de Eu Sou Carlos Imperial talvez seja dar
conta do universo de uma figura quase arquetípica, cercando-o de uma atmosfera
que se expande até o limite de fazer com que a própria narrativa do filme seja
apropriada pela anarquia de Imperial. Poucas figuras seriam mais propícias para
tamanha experiência. Onde começa a verdade documental e termina a ficção que se
reinventa?
Uma
das lendárias encrencas foi no Natal de 1968, quando Imperial resolveu
distribuir cartões de “boas festas” para amigos e inimigos. No lugar de um fofo
Bom Velhinho, uma foto do próprio, sentado no vaso sanitário e com mão no
queixo, ilustrava a dedicatória: “Espero que Papai Noel não faça no seu sapato
o que eu estou fazendo neste cartão.” A irreverente mensagem foi parar na mão
de um militar e, em plena ditadura, Imperial foi parar na Ilha Grande, fichado
pelo Dops (Departamento de Ordem Política e Social da Polícia).
Tempos
após a prisão, ele relatou, em tom heroico, que foi torturado e que chegou a
levar um tiro no joelho.
—
Tudo mentira. A cicatriz no joelho era de uma cirurgia de varizes. Ele viveu um
mês lá tocando violão e passeando no barco do Castor de Andrade, que conheceu
na ilha — relata o biógrafo Denilson Monteiro. — Soube usar a prisão a seu
favor até quando se candidatou a vereador, nos anos 80. Era um articulador de
primeira.
Foi
na Ilha Grande também que Imperial conheceu Natal da Portela, então presidente
de honra da agremiação de Madureira. A amizade o aproximou do carnaval. Para o
desfile de 1970, ele chamou Clóvis Bornay para assinar o enredo “Lendas e
mistérios da Amazônia” e deu vários pitacos no samba — foi o último título da
Portela. No início dos anos 80, já como vereador, foi membro da Comissão de
Carnaval da Câmara e acompanhou as obras do Sambódromo. Em 1984 e 1985, narrou
a apuração do resultado dos desfiles, e criou o bordão “dez, nota dez!”.
Carlos
Imperial foi, ao longo de quase 40 anos, uma espécie de médico e monstro do
show-business brasileiro. Descobriu, ajudou ou deu impulso à carreira de gente
como Roberto Carlos, Tim Maia, Wilson Simonal, Erasmo Carlos, Elis Regina e
todo um time de cantores bregas, menos votados. Compôs músicas de sucesso na
Jovem Guarda. Produziu peças de teatro que marcaram época, como “Um Edifício
Chamado 200”. Igualmente, produziu inúmeros filmes na fase de ouro da
pornochanchada brasileira.
Ogro
midiático. Amado ou odiado, Carlos Imperial soube como poucos como conseguir
espaço os meios de comunicação.
Ao
mesmo tempo, Imperial usou e abusou de métodos escusos para promover seus
artistas e projetos culturais. Inventou histórias, mentiu, armou falsas brigas,
plantou notas na imprensa. Pessoalmente, o “Gordo”, como era chamado, cultivou
uma imagem debochada, sempre cercado de muitas mulheres (a quem chamava de “as
lebres do Imperial”), e de desprezo à moral reinante. Era um “ogro midiático”,
na feliz expressão de Denilson Monteiro.
Tão
amado quanto odiado, ou desprezado, Imperial morreu cedo, aos 56 anos. “Ao
todo, cerca de cem pessoas compareceram ao enterro. Nem chegava perto da
quantidade de gente que o Gordo ajudou”, anota Denilson Monteiro, com precisão,
na biografia.
BIO
Thiago
Muniz tem 33 anos, é formado em Marketing pela Universidade Estácio de Sá, dono
do blog O
Contemporâneo, cronista do site Panorama
Tricolor. Compositor por hobby e um amante da música. Apaixonado por
literatura e amante de Biografias, já está escrevendo o seu primeiro livro e em
breve se lançará como Escritor. Caso queiram entrar em contato com ele, basta
mandarem um e-mail para: thwrestler@gmail.com.
Siga o perfil no Twitter em @thwrestler.
Ah, que bacana!
ResponderExcluirÉ muito bom conhecer trabalhos novos, e você, amiga, traz conteúdos muito bons para seus leitores.
Abraços, Escritora Entre 4 Paredes
obrigada,Bruna!
ExcluirBjos ,amiga!
Obrigado Bruna!!!
ExcluirAbs
É sempre gratificante conhecer novas obras, Elyane beijos.
ResponderExcluirAgradeço a visita,
Excluirquerida Lucimar!
Obrigado Lucimar!!!
ExcluirBjs
Excelente texto. De fato, Imperial foi controverso, e usou e abusou de métodos não muito éticos para promover seus artistas, mas uma coisa é certa : foi um dos maiores empreendedores culturais deste país.
ResponderExcluirParabéns por disponibilizar no seu Blog !!
Luiz,
Excluirobrigada pela visita e comentário!
Bjos e volte sempre!
Marcos,
ResponderExcluirkkkkkk
obrigada pela visita,amigo poeta!
Postagem bastante cultural e esclarecedora. Não conhecia Carlos Imperial e nada dessa parte da história. Parabéns pela maravilhosa postagem.
ResponderExcluirBeijos,
Monólogo de Julieta
Paloma,
Excluirmuito obrigada,
mas volte,ok?
Volte sempre Paloma!!!
ExcluirObrigado pela visita Marcos!!!
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