Folhetim: Sentindo a Vida (Capítulo 4)

- Era hora de recomeçar!

Anita, a cada dia que passava, ficava mais esperta, e parecia ler nos meus olhos todos os meus sentimentos confusos.

No meu trabalho, resolvemos marcar um “Happy Hour” numa sexta-feira com um grupo de professores da escola, num bar muito animado, no centro da cidade.

-Foi a grande oportunidade, de me aproximar de Hamilton com mais liberdade!

A noite estava muito estrelada e a atmosfera suave. Tomamos muita cerveja, falamos abobrinhas, trocamos piadas, foi um encontro mais informal do que no jantar dos professores, pois formamos um grupo pequeno e com muitas afinidades. Depois, eu e Hamilton resolvemos novamente dançar. Neste momento, foi possível confirmar claramente, o cheiro felino que exalava sua pele. Era realidade, não tinha mais dúvida, estávamos envolvidos carnalmente. Apertou-me bem junto ao seu corpo e nossa pele se arrepiou...

Saímos dali e fomos conversar, mas no caminho resolvemos deixar as emoções fluírem numa bela” transa”, e então pegamos a direção de um motel. Eu estava toda trêmula, era como a primeira vez...não sabia como agir!

Sentia-me como uma adolescente!

-Tudo era misterioso demais pra mim!

-Sentia-me culpada, Gilberto era tão amigo e bom pai, não deveria traí-lo!

-A sensação de abraçar outro homem, de tocar em outra pele masculina, de sentir novos beijos ameaçadores e selvagens, atraía-me loucamente! Era fascinante estar nua nos braços de outro.

-Meu Deus! Não consigo controlar meus impulsos sexuais, tudo cheira a sexo...carne...arrepios- constantes.

Tudo deu certo naquela noite maravilhosa, Hamilton era muito carinhoso, mas carregava uma frieza nas palavras; não sabia mentir, era muito verdadeiro e aquela realidade me apavorava. Havia uma dose excessiva de razão sobrepondo a emoção, e isto me incomodava tremendamente , pois só sabia viver emoção e não conseguiria  manter o relacionamento com alguém sem palavras amorosas. Seria impossível manter a relação racional.

Foi justamente o que ocorreu!

-Não gosto de conviver com o real sem uma pitada de sonho, posso dizer que é impossível!

Joice era só emoção e Hamilton pura razão.

-“ Penso em escrever um romance que seja reflexo da vida, ou até seja, o retrato fiel do cotidiano.

-Mas qual seria o ideal para o leitor?

-Um  romance com final feliz?

-Um romance dramático?

-O que leva alguém a gostar daquilo que lê?

-A semelhança com a vida?

-A fantasia que extravasa nas linhas do papel?

-Quero escrever um romance que seja real... sem intenção de agradar, que seja claro e sensual como a vida e a morte!

-Às vezes temo o que escrevo, porque são palavras, e as palavras atraem emoções infinitas e misteriosas.

-Não gosto da vida simples, mas amo a simplicidade da vida; quando há um grande momento a ser vivido. Nada melhor do que estar descalça, pisando na terra úmida e cheirando à chuva...”

Joice sofria com o seu “morrer” de todos os dias... era mesmo insuportável saber que não existiriam mais beijos melados e mãos frias.

Com um piscar de olhos, veio-lhe à mente sua infância tranquila no interior, e sua  adolescência tão complicada na capital, tudo foi tão radicalmente diferente do previsto. A inocência da cidade do interior com suas brincadeiras de roda, os amores platônicos , e de repente, a grande luta, as grandes batalhas das metrópoles...o cheiro da maconha pelo ar misturado com o cheiro da água do mar, os tormentos das ruas, as ilusões perdidas...

Joice ainda sentia vontade de amar, de ouvir o bater de seu coração disparado, descompassado, desesperado e sufocado.

-Foram tantos anos sem amor, sem desejo, sem satisfação sexual.

-Nós, mulheres, temos a grande magia de podermos esconder os verdadeiros sentimentos. Amamos e juramos odiarmos ...e quanto mais e mais sentimos prazer, juramos não sentir “nada”...por simples orgulho, desejo feminino de ser independente daquele que amamos , e caímos de joelhos pelo seu beijo apaixonado ocultamente!

Passaram-se alguns anos, e a  sensação de “vazio” se apoderando do coração de Joice. Era prisioneira de si mesma; fechou-se inteiramente, acorrentou-se para não sentir mais medo...

-Medo?

-Talvez fugir de si mesma, para não se sentir culpada das novas emoções que surgiam.

Joice morreu interiormente,ficou inerte em seus sentimentos por muito tempo.

-As mulheres costumam se anular para manter um relacionamento, que julgam “ideal para a vida”

 Anita precisava ter uma estabilidade emocional, uma família equilibrada aparentemente.

-Os filhos são sempre prioridades em nossa vida!

Chega então a primavera, e tudo fica mais colorido, alegre e saudável. Setembro é o mês do amor não sei bem o porquê, mas a atmosfera fica em festa, com cheiro de grandes beijos na boca.

Joice resolve fazer um curso de informática, pois Anita já não necessitava de tanta atenção nas suas horas vagas, estava acostumada com a babá e tinha muitas atividades extra escolares.

Começou uma nova etapa em sua vida, uma atualização geral; viver sem se conectar com a internet na atualidade, é como estar fora do mundo, da própria existência humana, apesar de lecionar, não restava tempo para aprimoramentos.

No início do curso foi difícil, pois estava totalmente desatualizada , mas aos poucos foi se desenrolando, e adorando cada vez mais a tecnologia avançada.

-Era muito estranho falar com pessoas, que só existiam no plano virtual, mas muito interessante!

Vivendo entre o real e o virtual, conheceu várias pessoas...mas o que a deixava mais tensa eram as perspectivas de novas emoções, novos encontros, que pudessem comprometer seu relacionamento com Gilberto.

Assustava-a a ideia de estar sozinha, apesar de não sentir mais tesão por ele ,era necessário manter uma certa aparência, pois tudo que é novo nos assusta!

Um grande amigo surgiu de um jeito meio estranho...através de um site de relacionamentos.

-Era fantástico, a lua voltava a brilhar dentro de sua alma, tudo irradiava amor...paixão...grandes momentos...

Joice voltava a pensar em Paulo, mas tinha receio de procurá-lo, era um homem incerto, sem peso nem medida, algo que a assustava muito.

Não, Paulo “foi” sua  “paixão” , mas a sua “desgraça!”

Um sofrimento intenso sempre gerou este relacionamento, mas a lembrança de seus pelos, sua boca, seus ombros largos e malhados; tudo a atraia e a envolvia simultaneamente, mas a dúvida da emoção...da reciprocidade dos sentimentos, era maior que a saudade!

A vida com Gilberto permanecia monótona, sem grandes expectativas, deitar todas as noites ao seu lado , tornou-se um grande sacrifício, pela ausência de amor que se solidificava.

“Eu não sou eu

 nem sou outro

Sou qualquer coisa de intermédio

Quem vai de mim

Para o outro?” Mário de Sá Carneiro

“Eu não sou outro

Qualquer coisa de intermédio”.Adriana Calcanhoto delira em seu CD!

“Rasgue as minhas cartas

E não me procures mais,

Assim será  melhor meu bem...

O retrato que deixei”...

-Amo poesias...a literatura faz parte de minha vida...está nas minhas veias...há uma necessidade em dizer e sentir coisas...coisas de amor, da pele, fatais, normais.

-Há uma grande necessidade de amar; apenas amar todos os corpos, as palavras, os sentidos, as bocas, amar...amar...amar...sem grandes sonhos, sem desesperados beijos, mas amar como os pássaros livres.

-Amar...

-Amar...

-Amar...

- Desesperadamente amar...

Entre as estrelas, as nuvens, o infinito, as esquinas, as avenidas, mas amar...

Não há limites nas palavras;  transgridem o tempo, são puramente mágicas!

Joice se apaixonava com facilidade pelo mar, pelo sol, pelas estrelas, pela lua, pelos homens, vivia loucamente todos os seus momentos!

E a vida corria como as águas dos rios...

 Joice decide apagar definitivamente os amores do passado e viver o “hoje”, e renasce emocionalmente!

Uma nova mulher abre os olhos para o mundo!